Se uma parte relevante da estratégia do governo para desatar os nós da ineficiência logística passa pela aprovação da Medida Provisória nº 595, que trata dos portos, outra está diretamente ligada à aposta feita nas concessões de ferrovias. O teste de fogo para saber se o modelo terá sucesso ou -encontrará -resistência da iniciativa privada deve ocorrer ainda neste semestre. Há a expectativa de que, até lá, o primeiro dos nove trechos que o governo pretende transferir para investidores interessados em explorar o modal seja leiloado.
Trata-se de uma linha projetada para ter 477 quilômetros de extensão a ligar Açailândia, no Maranhão, a Porto de Vila do Conde, no Pará, passando por 11 municípios. Num primeiro estágio, a ferrovia será uma opção para transportar carga geral, ajudando a escoar petróleo e derivados, além de açúcar, milho, etanol e soja. No futuro, ganhará maior importância estratégica, pois será uma extensão da Norte-Sul, servindo de interligação com o Porto de Santos, o principal da América Latina.
As audiências públicas marcadas para costurar o edital de concessão da linha têm servido como termômetro para o governo. O ponto que mais tem sido debatido nas reuniões é o que trata do papel da Valec, vinculada ao Ministério dos Transportes, durante e após as licitações. Pelo modelo desenhado pelo governo, a estatal comprará toda a capacidade operacional dos responsáveis por construir as ferrovias, revendendo às transportadoras de carga. O fato divide opiniões de interessados em participar dos leilões. Uma parte do mercado enxerga na modelagem um conforto adicional para entrar de cabeça nas licitações. Afinal, com a Valec garantindo a demanda e, em última instância, assumindo possíveis prejuízos, os riscos do negócio seriam bastante reduzidos.
“Grandes construtoras e fundos de pensão gostaram do modelo, porque ele mitiga riscos e abre a possibilidade de obtenção de retorno financeiro de longo prazo”, acredita Renato Sucupira, sócio da BF, consultoria financeira independente que no momento acompanha cada passo do processo de -licitação de perto para dois clientes. Também agrada, segundo o especialista, o fato de que a Valec antecipará 15% do valor total a ser investido na ferrovia aos vencedores do leilão. Embora o desenho no qual a estatal absorve parte relevante dos riscos operacionais seja novo e precise de tempo para ser colocado à prova, é certo que ele fez crescer o apetite de grupos de investidores bastante distintos.
“Há várias categorias de interessados: investidores institucionais e financeiros como fundos de pensão, soberanos e aqueles que aplicam em infraestrutura, além de operadores de modais, usuá-rios de carga e tradings”, exemplifica Hans Lin, um dos responsáveis pela área de banco de investimento do Bank of America Merrill Lynch no Brasil.
A operadora logística JSL, hoje concentrada em rodovias, é uma das empresas que vislumbram no modal ferroviário uma oportunidade para transportar carga. “Não descartamos participar de futuras concessões ferroviá-rias, mas isso só acontecerá se algum dos nossos clientes entender que o modal faz sentido para sua operação. Caso isso aconteça, podemos compor um consórcio juntos”, afirma Fernando Simões, presidente da companhia.
O negócio também interessa à América Latina Logística (ALL). Com seis concessões ferroviárias no Brasil, a companhia pode atuar como operadora das futuras linhas. “Nós nos vemos como o competidor mais forte desse mercado e candidato natural a comprar capacidade nas malhas”, afirma Carlos Eduardo Baron, gerente de relação com investidores da empresa.
A falta de consenso dos investidores em relação ao modelo da Valec vai além da questão da garantia de demanda de capacidade das linhas a ser ofertadas. “Os potenciais investidores não colocam em dúvida a capacidade financeira que a estatal terá para honrar os compromissos. Ela certamente conseguirá ativos e garantias suficientes para isso”, observa a advogada Rosane Menezes Lohbauer, especialista em infraestrutura do escritório Madrona Hong Mazzuco Brandão. “O que preocupa de fato é medir os riscos de a Valec não demonstrar uma gestão eficiente ao longo do tempo.”
Nesse sentido, o que mais causa inquietação aos interessados em participar das licitações é a possibilidade de que a estatal possa estar superestimando a demanda das ferrovias, o que poderia, na mais drástica das hipóteses, causar frequentes prejuízos à companhia, que teria de pedir socorro ao Tesouro Nacional.
O anúncio de que 10 mil quilômetros de ferrovias serão licitados e 91 bilhões de reais aplicados em estradas de ferro para que, em 2015, a participação das ferroviárias no total transportado no País salte dos atuais 25% para 35% renovou o ânimo de todo o setor. Embalados pela desoneração da folha de pagamento, os fabricantes pretendem ampliar a produção para dar conta da crescente demanda.
“A indústria está se preparando para fornecer a maior parte dos componentes, como trens e locomotivas. Claro que será preciso importar, mas a ideia é de que isso aconteça de forma -pontual, apenas para a aquisição de componentes e peças específicas, caso de rolamentos”, exemplifica Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer). Dessa forma, calcula o executivo, será possível cumprir as metas de fornecimento de conteúdo local – que varia de 60% a 80% no segmento.
Ao longo dos últimos dez anos, a indústria investiu 1,5 bilhão de reais. Nesse período surgiu, por exemplo, o polo de Hortolândia, no interior paulista. Formado por pelo menos dez empresas, emprega 4 mil funcionários, três vezes mais do que há quatro anos. O número poderia ser ainda mais expressivo, caso não faltasse mão de obra para o setor, o que, além de dificultar contratações, inflaciona o passe dos trabalhadores.
“Um profissional que atua em nível de gerência na área comercial de uma ferrovia, função que é a cereja do bolo por lidar com toda a estratégia da empresa, pode ganhar de 17 mil a 25 mil -reais por mês”, estima Fernando Marucci, diretor da consultoria de recrutamento e seleção de executivos Asap.
Fonte: Carta Capital
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