terça-feira, 30 de maio de 2017

Carta da AGB aos Professores de Geografia

CARTA AOS PROFESSORES DE GEOGRAFIA

Quem se dedica a ensinar as dinâmicas atmosféricas e explicitar os Processos de formação das chuvas e como elas alteram nossa vida, Nosso cotidiano e interferem nas formas de reprodução da vida social e natural?
Quem aponta os elementos centrais que alteram o clima, tais como a latitude, a altitude, a precipitação, a temperatura, entre outros e que reflete com os estudantes sobre os resultados que emergem, quando tais fenômenos atmosféricos se apresentam com intensidade ou escassez?
Neste momento, esse profissional, de forma dialógica, faz os alunos descobrirem que das chuvas intensas emergem a ausência de obras públicas de drenagem, as formas desiguais de ocupação do espaço, os fatores da renda da terra, da especulação imobiliária, as ocupações “irregulares” de fundos de vale ou das vertentes, e que resultam em movimentos de massa, e se desdobram em mortes que assolam as famílias desamparadas e desabrigadas.
Quem se prepara para explicitar a vida e os modos de organização social de povos originários, de quilombolas e de campesinos?
Quem consegue demonstrar que tais formas de reprodução social, sustentadas no autoconsumo, na partilha, nos trabalhos comuns são antíteses às lógicas individualistas e pautadas na sociabilidade da mercadoria que integram o sistema de produção do agronegócio?
Demonstra esse sujeito aos estudantes que a distribuição da terra, a quebra desse monopólio e da concentração da renda representam mais igualdade social, capacidade de desenvolvimento das comunidades e redução das relações sociais de exploração, entre elas o trabalho escravo.
Aponta que a perspectiva concentradora se espelha não apenas na terra, Mas nas relações de poder e na ausência de um Estado democrático.
Revela as mortes no campo e os genocídios que assombram uma sociedade pelo imperativo da exploração do trabalho e dos recursos naturais.
Quem é capaz de analisar os processos de carreamento de sedimentos, A elevação dos talvegues e associar os desmatamentos das formações vegetais de galerias com os solapamentos?
Quem identifica a perda de solo e como isso concorre com a redução da capacidade produtiva das áreas rurais?
Quem é capaz de refletir sobre os modelos e pacotes tecnológicos que ao consumo, cada vez maior, de produtos com altos indicadores de contaminação, e que reverberam em queda da qualidade de vida e saúde da população?
Quem pode analisar as formas de reprodução do espaço urbano, a negação do direito à cidade pelas lógicas de segregação socioespacial dos condomínios de luxo e pela determinação de um urbano cada vez mais corporativo?
Quem pode refletir sobre as políticas habitacionais como jogos de força de empreiteiras, incorporadoras e especuladores imobiliários que resultam na ocupação periférica da cidade e revalorização dos espaços?
Este sujeito revela processos determinados por agentes capitalistas que tomam a cidade como lógica específica de mercadoria, com práticas de gentrificação, que se espelham em dinâmicas de limpeza social e étnica, nos espaços urbanos e até mesmo rurais.
Quem dialoga com os alunos sobre as formas e estruturas de poder (executivo, judiciário e legislativo) e demonstra os papéis que estas instâncias deveriam exercer na busca de um Estado democrático e de uma sociedade justa e igualitária?
Quem pode permitir que os alunos compreendam os projetos de lei que alteram direitos e buscam, paulatinamente, cercear o pensamento crítico e capacidade de compreender a realidade em que vive?
Há um ser social capaz de elaborar uma reflexão que pode conduzir à participação popular nos conselhos municipais, no acompanhamento das seções das Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, e pode produzir clareza acerca do papel dos agentes públicos e o dever de prestar contas à sociedade.
Quem constrói diversas formas de leitura do espaço social e natural?
Quem reflete sobre as interfaces entre cultura e natureza e as paisagens como processos imbricados naturais-humanos?
Quem dá a dimensão histórica do espaço, consolidando a representação Cartográfica como linguagem sobre o território em que se vive, se constrói e se disputa cotidianamente novas e pretéritas formas de preservação e resistência social?
Neste processo é que o aluno concebe sua dimensão histórica, como responsável pelos processos de produção espacial e como aquele que pode determinar formas de apropriação solidária, coletiva e fraterna no mundo.
Quem é o sujeito que reflete sobre as informações sociais brasileiras, os Sincretismos religiosos, a tolerância e as manifestações culturais?
Quem pode olhar para as migrações como mobilidade da cultura, não Apenas de pessoas, como formas de existência em lugares distintos, de resistência no espaço brasileiro?
Quem pode esclarecer e combater a xenofobia, a marginalização, a perseguição que se realiza às pessoas por sua origem social, sua orientação sexual, por ser mulher, por sua opção religiosa e cor da pele?
Existe sim um sujeito capaz de ensinar para humanizar, de explicitar a diferença como riqueza social e a homogeneização como mecanismo de controle e de negação das liberdades individuais.
Quem cartografa social e tecnicamente a realidade dos brasileiros, elabora Raciocínios escalares (locais, regionais e globais) como formas de compreender os efeitos que a mundialização econômica e os projetos políticos libertários e conservadores produzem em nossos lugares de vida?
Como desenhar nossos caminhos cotidianos, representar e descrever as especializações produtivas como formas espaciais dos modos de produção, que homogeneízam a paisagem e cerceiam formas alternativas de vida?
Quem é este sujeito?
Quem tem a capacidade de lidar com a materialidade, a empiria, e fazer dela sua arma de consciência, de formação e de responsabilidade social?
O professor que desvenda a formação das paisagens para além de suas Impressões mais imediatas, decifrando caminhos com os alunos, para que eles percebam o quanto o mundo devora sua relação social, o quanto são bombardeados pelo consumo como modo de vida e como aniquilam a consciência sobre as periferias, as misérias, as formas de exclusão, a negação de culturas e formas de existir.
Este sujeito é você Professor de Geografia e exatamente por isso querem lhe calar.
Resista!
Prof. José Gilberto de Souza

Presidente da AGB–Nacional


Disponível em:http://www.agb.org.br/
acesso em: 30maio2017.

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