CARTA AOS PROFESSORES DE GEOGRAFIA
Quem se dedica a ensinar as dinâmicas
atmosféricas e explicitar os Processos de formação das chuvas e como
elas alteram nossa vida, Nosso cotidiano e interferem nas formas
de reprodução da vida social e natural?
Quem aponta os elementos centrais que
alteram o clima, tais como a latitude, a
altitude, a precipitação, a temperatura, entre outros e que reflete com os estudantes sobre os
resultados que emergem, quando tais fenômenos atmosféricos se apresentam
com intensidade ou escassez?
Neste momento, esse profissional, de forma
dialógica, faz os alunos descobrirem que das chuvas intensas emergem a ausência
de obras públicas de drenagem, as formas desiguais de ocupação do espaço, os fatores da renda da terra, da especulação
imobiliária, as ocupações “irregulares” de fundos de vale ou das vertentes,
e que resultam em movimentos de massa, e se desdobram em mortes
que assolam as famílias desamparadas e desabrigadas.
Quem se prepara para explicitar a vida e os
modos de organização social de povos originários, de quilombolas e de
campesinos?
Quem consegue demonstrar que tais formas de
reprodução social, sustentadas no autoconsumo, na partilha, nos trabalhos comuns
são antíteses às lógicas individualistas e pautadas na sociabilidade da mercadoria
que integram o sistema de produção do agronegócio?
Demonstra esse sujeito aos estudantes que
a distribuição da terra, a quebra desse monopólio e da concentração da
renda representam mais igualdade social, capacidade de desenvolvimento
das comunidades e redução das relações sociais de exploração,
entre elas o trabalho escravo.
Aponta que a perspectiva concentradora se
espelha não apenas na terra, Mas nas relações de poder e na ausência de
um Estado democrático.
Revela as mortes no campo e os genocídios
que assombram uma sociedade pelo imperativo da exploração do
trabalho e dos recursos naturais.
Quem é capaz de analisar os processos de carreamento
de sedimentos, A elevação dos talvegues e associar os desmatamentos
das formações vegetais de galerias com os solapamentos?
Quem identifica a perda de solo e como isso
concorre com a redução da capacidade produtiva das áreas rurais?
Quem é capaz de refletir sobre os modelos
e pacotes tecnológicos que ao consumo, cada vez maior, de produtos com
altos indicadores de contaminação, e que reverberam em queda da qualidade de vida e saúde da população?
Quem pode analisar as formas de reprodução
do espaço urbano, a negação do direito à cidade pelas lógicas
de segregação socioespacial dos condomínios de luxo e pela determinação
de um urbano cada vez mais corporativo?
Quem pode refletir sobre as políticas habitacionais
como jogos de força de empreiteiras, incorporadoras e especuladores
imobiliários que resultam na ocupação periférica da cidade e revalorização dos espaços?
Este sujeito revela processos determinados
por agentes capitalistas que tomam a cidade como lógica específica de mercadoria,
com práticas de gentrificação, que se espelham em dinâmicas
de limpeza social e étnica, nos espaços urbanos e até mesmo rurais.
Quem dialoga com os alunos sobre as formas
e estruturas de poder (executivo, judiciário e legislativo) e demonstra os papéis
que estas instâncias deveriam exercer na busca de um Estado democrático e de uma sociedade justa e igualitária?
Quem pode permitir que os alunos compreendam
os projetos de lei que alteram direitos e buscam, paulatinamente,
cercear o pensamento crítico e capacidade de compreender a realidade
em que vive?
Há um ser social capaz de elaborar uma reflexão
que pode conduzir à participação popular nos conselhos municipais,
no acompanhamento das seções das Câmaras Municipais e Assembleias
Legislativas, e pode produzir clareza acerca do papel dos agentes públicos e o dever
de prestar contas à sociedade.
Quem constrói diversas formas de leitura do
espaço social e natural?
Quem reflete sobre as interfaces entre cultura
e natureza e as paisagens como processos imbricados naturais-humanos?
Quem dá a dimensão histórica do espaço, consolidando
a representação Cartográfica como linguagem sobre o território
em que se vive, se constrói e se disputa cotidianamente novas e pretéritas
formas de preservação e resistência social?
Neste processo é que o aluno concebe sua dimensão
histórica, como responsável pelos processos de produção espacial
e como aquele que pode determinar formas de apropriação solidária,
coletiva e fraterna no mundo.
Quem é o sujeito que reflete sobre as informações
sociais brasileiras, os Sincretismos religiosos, a tolerância e as
manifestações culturais?
Quem pode olhar para as migrações como mobilidade
da cultura, não Apenas de pessoas, como formas de existência
em lugares distintos, de resistência no espaço brasileiro?
Quem pode esclarecer e combater a xenofobia,
a marginalização, a perseguição que se realiza às pessoas por
sua origem social, sua orientação sexual, por ser mulher, por sua opção religiosa
e cor da pele?
Existe sim um sujeito capaz de ensinar para
humanizar, de explicitar a diferença como riqueza social e a homogeneização
como mecanismo de controle e de negação das liberdades individuais.
Quem cartografa social e tecnicamente a realidade
dos brasileiros, elabora Raciocínios escalares (locais, regionais e
globais) como formas de compreender os efeitos que a mundialização econômica e os
projetos políticos libertários e conservadores produzem em nossos lugares de vida?
Como desenhar nossos caminhos cotidianos,
representar e descrever as especializações produtivas como formas espaciais dos
modos de produção, que homogeneízam a paisagem e cerceiam formas alternativas de vida?
Quem é este sujeito?
Quem tem a capacidade de lidar com a materialidade,
a empiria, e fazer dela sua arma de consciência, de formação
e de responsabilidade social?
O professor que desvenda a formação das paisagens
para além de suas Impressões mais imediatas, decifrando caminhos
com os alunos, para que eles percebam o quanto o mundo devora sua
relação social, o quanto são bombardeados pelo consumo como modo de vida
e como aniquilam a consciência sobre as periferias, as misérias, as formas de exclusão,
a negação de culturas e formas de existir.
Este sujeito é você Professor de Geografia
e exatamente por isso querem lhe calar.
Resista!
Prof. José Gilberto de Souza
Presidente da AGB–Nacional
Disponível em:http://www.agb.org.br/ acesso em: 30maio2017. |
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