domingo, 2 de outubro de 2016

Nota da ANPUH sobre a Medida Provisória 746/2016


A Associação Nacional de História tem acompanhado de perto, dialogando com o poder educacional, promovendo debates e se manifestando publicamente sobre os processos e propostas de mudança da Educação Básica. Assim tem sido nossa atuação no debate sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e sobre o Projeto de Lei de reforma do Ensino Médio (PL6840/2013). Temos lutado, firmemente, contra as propostas de retrocesso e cerceamento da formação crítica e humanística representadas pelo PL867/2015 que visa instituir o "Programa Escola sem Partido".


Por esse motivo vimos a público, novamente, para nos manifestar sobre a recente Medida Provisória 746/2016 que "institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências." Medida Provisória que, segundo seus proponentes apresenta ao país uma proposta de reformulação que visa inaugurar no país um "Novo Ensino Médio, a maior mudança na educação nos últimos 20 anos, desde a Lei de Diretrizes e Base da Educação ".


Tal Medida Provisória, alinhada às recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para Infância – Unicef, propõe a flexibilização do Ensino Médio, por meio da oferta de diferentes itinerários formativos, inclusive a oportunidade de o jovem optar por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do ensino regular; estabelece a ampliação progressiva da jornada escolar, reduz a obrigatoriedade apenas à oferta da língua inglesa, o ensino da língua portuguesa e da matemática nos três anos desta etapa e delimita em 1.200 horas a carga horária máxima para Base Nacional Curricular Comum, prevendo autonomia dos sistemas estaduais de ensino para organização de seus currículos. Seus proponentes alardeiam que as mudanças visam tornar a escola atrativa e significativa, reduzindo as taxas de abandono e aumentando os resultados de proficiência.


No entanto, as reações da sociedade civil organizada à proposição do atual governo, especialmente dos segmentos ligados à educação revelam que, tanto do ponto de vista da forma, como do processo e do conteúdo, esta reforma revela um viés extremamente autoritário e representa severo comprometimento de direitos básicos da juventude brasileira.


A forma escolhida pelos atuais mandatários de apresentar uma proposta dessa envergadura que impacta diretamente todo o Ensino Médio e afeta a formação de professores por meio de medida provisória, escancara o caráter autocrático do governo na medida em que contraria as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais, atropela processos de debate em curso no país, inclusive no Congresso Nacional, e exclui segmentos diretamente envolvidos nas discussões como docentes, alunos e associações. Instâncias como Conselho Nacional de Educação, Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, dentre outras entidades sequer foram consultadas sobre o tema. Estabelecida com força legal desde sua publicação e com prazo de 120 dias para sua aprovação no Congresso Nacional, a MPV 746/2016 revela, portanto, uma estratégia clara de impor uma reforma educacional açodando sua implementação e restringindo o debate de seus vários pontos polêmicos.


A começar pela ideia de flexibilização do currículo, que limita a carga horária da Base Nacional Comum Curricular e a separa dos chamados itinerários formativos específicos, a MP simplesmente exclui da obrigatoriedade do currículo do Ensino Médio disciplinas como Arte, Educação Física, Sociologia, Filosofia e Espanhol. Além disso, não garante a presença de Temas Transversais no currículo, objeto de amplas discussões com resultados positivos, pois permite trazer para o espaço escolar questões relevantes sobre a sociedade brasileira.


Em nome do "enxugamento curricular", os proponentes da MP consideram legítimo restringir a formação básica comum, direito de todo estudante. O corte seletivo nas disciplinas que "não estão alinhadas ao mundo do trabalho" compromete a formação de uma consciência crítica para uma cidadania ativa garantida pelas disciplinas, dentre outras, a História, até então obrigatórias. Dessa forma, uma parcela significativa de estudantes não terão conhecimento de questões fundamentais para a compreensão das sociedades em que vivem.


Além disso, a flexibilização curricular proposta pela reforma atinge diretamente a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, porque revoga os dispositivos da atual legislação que articulam o preparo para exercício de profissões técnicas e a formação geral do educando, ignora as políticas públicas praticadas nos últimos anos e abre brechas para experimentações, de risco, no campo da formação dos jovens estudantes.


A MP também prevê a possibilidade de contratação de profissionais "com notório saber". Tal possibilidade é inadmissível porque significa uma porta aberta para qualquer profissional de outras áreas de formação, ocupe o lugar dos docentes com formação específica para ministrar cada uma das disciplinas. Além disso, permite retirar a responsabilidade governamental na formação de professores especializados. Trata-se, portanto, de uma solução fácil para tentar cobrir o déficit de professores pelo caminho torto da desqualificação profissional dos licenciados.


Medidas dessa natureza, tão importantes para a formação de nossos jovens, exigem debate bem fundamentado, cuidadosa regulamentação e acompanhamento do Estado para que não se transformem em "barateamento da formação", precariedade nas relações de trabalho e possibilidade de sucumbir a interesses mercantis.


Com a reforma proposta, o MEC delega aos sistemas de ensino a organização dos currículos, mantendo para si o estabelecimento de padrões de desempenho esperados para o Ensino Médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, considerada a Base Nacional Comum Curricular. Se, de um lado, a MP prevê processos de colaboração com os entes federados, por outro lado reforça a inflexibilidade do currículo, a centralização dos sistemas de avaliação e as formas de controle sobre o trabalho docente ao estreitar a relação entre o examinado e o currículo nacional, visando, supostamente, a melhoria nos indicadores de desempenho nas avaliações padronizadas. Cabe ao docente trabalhar o que será examinado. Não será surpresa se logo forem anunciadas as novas expectativas de aprendizagem e os materiais didáticos que darão suporte ao trabalho docente visando supostamente a eficiência do ensino e a efetividade do aprendizado.


Diante do exposto, em defesa de uma educação pública democrática, de qualidade e socialmente referenciada, a Associação Nacional de História – ANPUH, vem a público manifestar seu repúdio à forma escolhida pelo governo para conduzir o processo de reforma do Ensino Médio, ou seja, através de Medida Provisória e também se posiciona contra sua aprovação no Congresso Nacional. Conclama a sociedade para que se manifeste pela ampliação do debate, pelo respeito às instâncias representativas do campo educacional e instamos os parlamentares a votarem pela não aprovação da MP 467/2016.


ANPUH

Fonte: http://site.anpuh.org/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/3780-nota-da-associacao-nacional-de-historia-sobre-a-mpv-746-2016. Acesso em: 02out.2016.



Disponível em:http://site.anpuh.org/. Acesso em: 02out.2016.

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