quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Mangabeira Unger assume à Secretaria de Assuntos Estratégicos

Seis anos depois de deixar a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), o professor Roberto Mangabeira Unger voltou a assumir a pasta, no último dia 5 de fevereiro, em cerimônia no Palácio do Planalto. Professor de Direito da Universidade de Harvard, em sua gestão anterior na SAE (2007-2009), ele também foi um dos coordenadores da Estratégia Nacional de Defesa (END) e coordenador do Plano Amazônia Sustentável, que apresentou várias propostas de grande relevância para o desenvolvimento da região, as quais são especialmente oportunas neste momento em que os excessos do radicalismo ambientalista das últimas décadas se mostram insustentáveis.
Roberto Mangabeira Unger - Professor de Havard; Página pessoal: http://www.law.harvard.edu/faculty/unger/portuguese/

No seu discurso na posse de Mangabeira Unger, a presidente Dilma Rousseff destacou que a nomeação do professor se insere em uma das diretrizes do seu governo, que prevê a promoção da inovação e de políticas de longo prazo. Ela destacou também o papel da SAE na integração de diagnósticos setoriais a uma visão de futuro, afirmando esperar que o novo ministro assessore o governo na identificação de melhores alternativas para enfrentar “todos os desafios” (Portal Brasil, 5/02/2015).

Presumivelmente, a expressão inclui as questões ambientais e indígenas.

Mangabeira Unger sempre demonstrou uma visão pragmática e progressista em relação à Amazônia e orientou o PAS para conciliar os cuidados ambientais com a necessidade primordial de progresso humano na região. Sem fazer concessões aos modismos, ele causou irritação em ambientalistas, após a publicação do PAS, ao afirmar que “desenvolvimento sustentável é abstração” (O Estado de S. Paulo, 15/06/2008).

Segundo ele, o “desenvolvimento sustentável” é uma tese sem conteúdo. É difícil defender uma vasta região sem projeto. As tarefas do desenvolvimento e da preservação estão irremediavelmente entrelaçadas. (…) Então, os países ricos gostam de dizer “agora cuidemos do nosso grande jardim, a natureza”. Não é assim. Resolveremos problemas de preservação e desenvolvimento com inovações que exigem grandes avanços de imaginação (…). Estou convencido de que é a partir da Amazônia que se pode pensar o futuro do país.

A Amazônia é a nossa grande fronteira, não só em termos geográficos, mas imaginários. São poucos os brasileiros que ainda se batem pela ideia de que a região tem de ser um santuário vazio de gente e ação econômica. Como também poucos aceitam a ideia de que o preço do desenvolvimento inclui todas as formas de produção, até as predatórias. A grande maioria dos brasileiros rejeita as duas posições, insistindo na tese do desenvolvimento sustentado. O problema é que esta tese é uma abstração.

Em sua avaliação, o Brasil precisa criar um novo modelo de desenvolvimento, desistindo da importação de soluções estrangeiras e da ideia de ser uma “Suécia tropical”.

O PAS se centrava em sete propostas para a região: 1) regularização fundiária; 2) política contra o desmatamento; 3) auxílio aos pequenos produtores; 4) reorganização da agricultura e da pecuária; 5) organização da rede industrial; 6) transporte multimodal; e 7) promoção da ciência, capacitação e educação. Com as devidas atualizações, o plano contém diretrizes que deveriam orientar um sério e efetivo processo de planejamento de políticas regionais, que possibilitem superar definitivamente a falsa dicotomia entre proteção ambiental e desenvolvimento socioeconômico.

Para Mangabeira Unger, o primeiro ponto está centrado no desafio de tirar a Amazônia “do caldeirão de insegurança jurídica em que se encontra. Falo de uma coisa básica, a titularidade da terra, tanto na Amazônia com floresta quanto na Amazônia sem floresta”.

Sobre o auxílio aos pequenos produtores, ele se referia aos pequenos extrativistas e produtores agrícolas, que atuam nas áreas de transição entre o Cerrado e a Floresta:

Precisamos oferecer a eles alternativas economicamente viáveis e ambientalmente seguras. (…) Toda a produção agrícola do Mato Grosso ocorre em 8% da área daquele estado. No Brasil, poderíamos, com relativa facilidade, dobrar a área de cultivo e triplicar nossa produção sem tocar em uma única árvore! Repito: nosso problema não é o conflito entre desenvolvimento e preservação. Nosso problema é que estamos muito aquém de onde deveríamos estar tanto em desenvolvimento quanto em preservação.

Outro aspecto destacado foi o da infraestrutura de transportes, que se refere à necessidade de “superar essa nossa fixação histórica em rodovia e construir um paradigma multimodal de transporte, integrando os elementos rodoviário, ferroviário e aquaviário. E ainda estabelecer as ligações aéreas da Amazônia com o resto do mundo”.

Igualmente, ele se referiu ao movimento ambientalista-indigenista internacional, sem citá-lo diretamente, criticando a atitude defensiva que os brasileiros costumam exibir diante dele:

A Amazônia brasileira é do Brasil, e não desses países que já devastaram suas florestas. Estou determinado a ter um diálogo com grandes especialistas estrangeiros sobre isso. Nós, no Brasil, não devemos temer o discurso que vem de fora. Ao contrário, temos que adotar uma postura sem preconceitos, magnânima até, com o mundo, fundada na afirmação incondicional da nossa soberania. Percamos de vez o medo de ideias ou críticas. O que nos inibe diante do mundo é a indefinição do nosso próprio projeto.

Mesmo depois de deixar a SAE, Mangabeira Unger continuou manifestando publicamente a sua visão de que o Paísprecisa “resgatar a população da Amazônia da ilegalidade”. Em uma entrevista à Folha de S. Paulo, ele afirmou ainda que o esforço de regularização ambiental devia enfrentar o problema gerado pela mudança de um regime de estímulo ao desmatamento, em vigor até a década de 1970, para o atual, caracterizado por restrições draconianas ao uso da terra:

Com essa reviravolta de regimes legais, a população da Amazônia foi jogada numa ilegalidade retrospectiva, da qual nós agora temos que resgatála. Qualquer solução tem de incluir a construção de mecanismos de transição, mas a transição não deve servir de pretexto para abandonar o objetivo maior que é a reconciliação do desenvolvimento inclusivo com o desenvolvimento sustentável (Folha de S. Paulo, 8/07/2010).

A indicação de Mangabeira Unger para a coordenação do PAS pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos pretextos para a saída da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, cuja gestão, que consolidou os excessos da pasta, vinha sendo alvo de fortes críticas dos demais ministérios e dos setores produtivos da sociedade prejudicados pelos entraves da legislação ambiental. Na ocasião, o titular da SAE não titubeou em afirmar:

O que não quero e não me conformarei é em deixar que 61% do território brasileiro seja usado como massa de manobra para fantasias ideológicas. Alguns grupos, do Sul, Sudeste e de fora do País, queriam para a Amazônia um regime jurídico diferente de tudo o que é moderno. Era um atavismo, a ideia da família camponesa feliz, derrotada na Baviera e no Piemonte no início do século 19. Um projeto para a Amazônia tem que ser includente e sustentável, valer tanto para as árvores como para as pessoas (O Estado de S. Paulo, 6/07/2009).

Com o seu currículo e a sua conhecida disposição para confrontar e desconstruir formulações ideológicas preconcebidas, pode-se esperar que a presença de Mangabeira Unger na SAE contribua para uma inadiável reorientação das políticas ambientais e indigenistas brasileiras, em especial, considerando-se a presença de outra liderança política esclarecida sobre o assunto no primeiro escalão do governo, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo.

0 comentários:

Postar um comentário