terça-feira, 11 de junho de 2013

Sobre homens e instituições

Por Adelino de Oliveira*

Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus a Mamon. (Mt. 6,24)

Qual o lugar do humano na dinâmica das instituições? Com qual finalidade, objetivo as instituições foram criadas e existem? Talvez para um capitalista empedernido a resposta possa parecer simples, direta. Mas na verdade o tema é bem mais complexo, tomado por controvérsias. Toda instituição guarda alguma dimensão social, servindo a algum propósito que a sociedade compreende como relevante. Se tal concepção é verdadeira para instituições forjadas sob o signo do capitalismo, torna-se muito mais premente para instituições que nasceram exclusivamente para servir à vida e os povos, dando testemunho de que outra realidade social é mesmo possível.

Alguns pensadores, designados de socialistas utópicos, como Charles Fourier, por exemplo, vislumbraram instituições sem nenhum outro propósito além da promoção do bem coletivo, totalmente voltadas para atender as necessidades humanas. O sonho utópico talvez não tenha prosperado, mas as demandas do humano ainda gritam, imploram por solução. Apesar disso, hoje se propaga o fim das utopias, a falência de todos os projetos de justiça, solidariedade, igualdade. É a transparência do mal, no conceito de Baudrillard. O fim das utopias representa, de certa maneira, o caos, a destruição de todo direcionamento ético, a falência da própria política, a extinção, a ruína do ideário civilizatório.

Mesmo as instituições cristãs nascem sob o signo de uma certa utopia, algumas, nitidamente, devotadas à construção de espaços de proteção à vida. A caridade cristã acenou para o surgimento de diversas instituições de caráter social, voltadas ao cuidado para com os mais frágeis, desprotegidos, em condição de vulnerabilidade social. O cristianismo sempre entendeu, desde suas origens mais remotas, que o radical seguimento de Jesus Cristo exigia a superação de estruturas sociais injustas e excludentes. Neste esteio é que se situa também a projeção de tantas ordens e congregações religiosas. Dom Bosco, por exemplo, inicia, na Itália do século XIX, um movimento de proteção, via educação, às crianças e jovens pobres.

Na concepção cristã de Dom Bosco, descortina-se, desdobra-se o gérmen do que o contemporâneo designa como sendo responsabilidade social e até mesmo direitos humanos. Em última análise, na ótica cristã, as instituições existem para dar testemunho do amor cristão, servindo e protegendo a vida, especialmente a existência dos mais empobrecidos.

Interessante que esta dimensão da identidade e própria razão de ser das instituições cristãs descortinam-se justamente como o ponto de tensão, de contradição. Sob a lógica e exigência do capitalismo de mercado, as instituições cristãs podem experienciar a angustiante esquizofrenia de ter que servir a dois senhores – negando, assim, sua vocação original, a realização criativa de sua missão.

Ora, no capitalismo de mercado o tema da alienação persiste. Há uma perversa lógica do capital que insiste em reduzir o ser humano a mera coisa, instrumentalizando todo o seu potencial criativo, servindo exclusivamente a acumulação do próprio capital. Tudo se reduz a uma simples questão de negócio: a primeira base e critério de tomada de decisão é a possibilidade do lucrar, usurpar, acumular. Lucros, a viabilidade do negócio, a rentabilidade – fria, desumana – desejam sobrepujar a ética, qualquer relacionamento estabelecido, almejado. Neste cenário, torna-se muito difícil encontrar instituições ainda sugestionadas pelo ideário do servir, da promoção do bem coletivo. Mesmo as instituições que foram concebidas em suas origens sob o signo do serviço ao próximo podem se perder, corrompidas pela perversa, indiferente lógica do mercado.

Imbuídas dos impactantes, contundentes princípios do cristianismo, as instituições cristãs, quando em fidelidade ao genuíno legado de Jesus Cristo, são chamadas a romperem com a lógica, ditames do capitalismo de mercado. Em definitivo, não há como conciliar os elevados princípios cristãos com a rudeza e brutalidade do capital. A fidelidade aos princípios basilares do cristianismo, não admite qualquer tipo de concessão, desvio às regras, estratégias mercadológicas.

O filósofo espanhol José Ortega y Gasset articula uma análise fundamental, a evidenciar que a razão matemática não se revela capaz de pensar a vida humana. Talvez a razão matemática seja justamente a lógica inescrupulosa do mercado, do capital, a tomar decisões meramente técnicas, matemáticas, sem considerar a dimensão existencial, as expectativas e perspectivas humanas.Toda instituição existe para servir aos homens, seu processo de liberdade, sua humanidade. Daí a contundência, atualidade e assertividade dos conceitos de responsabilidade social, sustentabilidade, governança corporativa, transparência na gestão etc.

Para as instituições cristãs, tais conceitos ganham, alcançam ainda maior relevância, revelando, demarcando aspectos parciais da própria missão, visão e valores institucionais. Obviamente que o ideário cristão, calcado na ética do amor e na moral do serviço, situa-se para muito além de tais conceitos. De instituições essencialmente cristãs deve-se esperar beleza, na direção da construção de uma sociedade, sobretudo, justa, ética, sensível à realidade do humano.

O espectro do capitalismo de mercado ameaça o projeto de humanidade das instituições cristãs. Render-se a tal fantasma significa renunciar a própria razão de ser da instituição. Quando isso ocorre, sobra-lhe um arremedo grosseiro de cristianismo, esvaziando-se, lançando-se a nenhum propósito, a qualquer projeto ideal. Neste prisma o único fato que testemunha é a falência da própria capacidade de testemunhar, promovendo o descrédito, o esvaziamento do vigor e atualidade dos perenes princípios cristãos.

As instituições cristãs encontram a profunda revelação, o sentido primeiro, genuíno de sua missão, ao perpetuarem, no tempo histórico, a Boa Nova anunciada por Jesus. As instituições devem servir aos homens, a sociedade. As religiosas querem também servir a Deus, a um projeto de alcança transcendental. Ambas, quando movidas pela dinâmica do mercado, passam a servir apenas aos sombrios, nefastos interesses do capital e nada mais.

*O autor é Doutor em Teologia pela Universidade de Braga



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