quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Patrimônio vivo: um breve histórico da UGT


Por Vinícius Barros - 18 de Janeiro de 2013.

Por quais motivos uma sociedade se presta a manter preservadas as suas construções se não para que permaneçam vivos os seus ideais? Um patrimônio, isto é, aquilo que passa de pai para filho, tem como importância fundamental a continuidade de valores que nos são importantes. No caso das edificações, podem significar muito mais do que isso, elas podem representar a resistência para grupos contra-culturais e contra-hegemônicos. Este é o caso da popular UGT, localizada na antiga Rua José Bonifácio, no centro de Ribeirão Preto.

Erguida em 1934 com o nome de União Geral dos Trabalhadores, a UGT passa, desde então, a sediar importantes acontecimentos ligados aos trabalhadores ribeirãopretanos e suas lutas políticas por melhores condições de trabalho. Sindicatos e partidos orientados pelos ideais de esquerda, como o Partido Comunista Brasileiro, realizaram neste edifício diversas reuniões e encontros pautados pelo ideal de resistência e progresso social. Greves, manifestações e atos políticos eram decididos e também realizados no interior da UGT.

Porém, trinta anos depois, em 1964, o golpe militar que levou o Brasil à ditadura também recai sobre a UGT e seus integrantes. Muitos foram presos e provavelmente torturados pelo sistema ditatorial, um sistema defensor de valores antagônicos aos dos trabalhadores anarquistas e comunistas que ali atuavam. A cidade perdia, naquele momento, um dos seus principais redutos de resistência e articulação política voltadas aos ideais democráticos.

O prédio, no entanto, se mantém preservado e passa a sediar associações mantidas pelo povo negro da cidade. Sob o título de Zé do Patrocínio, em homenagem a esta figura histórica do abolicionismo e das ações de resistência negra no Brasil, a UGT começa uma nova fase da sua história, naquele momento sediando ações sociais e culturais dos negros de Ribeirão Preto.

Com a chegada desses grupos, forma-se uma nova comunidade em torno do edifício, sem dúvidas não menos importante na capacidade de concentrar propósitos de resistência. A capoeira, por exemplo, teve neste espaço um terreno fértil para sua expansão local. Além disso, há relatos vivos de grandiosos bailes de gafieira no interior do antigo prédio. Por esses relatos também é possível compreender o valor que a UGT passou a ter para a comunidade negra, principalmente por causa do histórico de segregação racial que ocorria no centro da cidade.

Porém, no início da década de 2000, com o passar dos anos e pela falta de investimentos na estrutura física do prédio, a UGT se encontrava extremamente degradada. Fotos de 2003 retratam o espaço como um salão de cabeleireiros e comprovam que, além da decadência estrutural, havia também uma perda dos objetivos políticos e culturais que sempre tiveram vez ali. Naquele período, a comunidade negra já não possuía a mesma articulação e passava a se organizar em outros espaços.

Nesse contexto, em virtude da destruição de grande parte das edificações históricas da Cerâmica São Luiz para a construção de um supermercado em 2003, inicia-se uma ação no Ministério Público para punir a empresa responsável. A ação civil pública os obrigava a parar imediatamente o desmanche dos bens arquitetônicos da Cerâmica e, como forma de compensação aos danos causados pela imoral atitude, também exigia o restauro completo da antiga UGT. Vencida a ação, com muito esforço da sociedade civil em luta conjunta com o MP, inicia-se a reforma.

Restaurada e tombada como patrimônio histórico municipal pelo CONPPAC (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural), a UGT passa a sediar duas associações, a Associação Cultural e Ecológica Pau Brasil, entidade ambientalista atuante na cidade desde 1988, e a Associação Amigos do Memorial da Classe Operária - UGT (AAMCO-UGT), entidade sem fins lucrativos e que surge com o objetivo de realizar a gestão e movimentação do prédio. Além delas, funda-se o Seminário Gramsci, grupo de ação política baseado na obra de Antonio Gramsci, pensador marxista italiano.

Juntos estes grupos passam, a partir de 2004, a resgatar o propósito original da UGT: reunir pessoas com ideais democráticos, favorecer a resistência cultural e a justiça social, pautando sempre a autonomia política da sociedade civil. Em virtude da dedicação dos representantes das entidades sediadas no Memorial da Classe Operária - UGT foi se tornando possível o resgate do brilho deste importante patrimônio histórico.

Em meio a este processo surge em 2010 um edital público vinculado ao Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura para instituir uma rede de Pontos de Cultura e um Pontão no município. Diante dessa possibilidade, decide-se, entre os integrantes das entidades reunidas, concorrer a Pontão de Cultura com o projeto Sibipiruna. Um tiro certeiro!

Com a vitória no edital, a AAMCO-UGT passa a movimentar sua própria ação cultural com o suporte de recursos públicos, surge o Pontão de Cultura Sibipiruna. Seu objetivo viria a ser realizar a gestão e articulação de uma rede de dez outros Pontos de Cultura, ações culturais voltadas ao ensino e difusão de cultura e arte sob uma perspectiva sócio-educativa e de resistência de saberes ancestrais. Além disso, a UGT/Pontão Sibipiruna começa a se destacar como parceira de diversos outros grupos e movimentos culturais da cidade.

Hoje, com dois anos de Pontão e com a continuidade das ações da AAMCO-UGT, Associação Pau Brasil e Seminário Gramsci, além de outros grupos como o Grupo Maracatu Chapéu de Sol que realiza seus ensaios e oficinas no espaço, a popular UGT pode ser considerada um dos mais significativos patrimônios materiais de Ribeirão Preto. Com quase 80 anos de existência, guarda entre seus pilares histórias de lutas, resistência e dedicação de homens e mulheres com ideais libertários e democráticos.

Neste patrimônio vivo, seja pela via do trabalho, das lutas pelo meio ambiente, da preservação da memória ou da cultura, é possível encontrar ali um espaço para o cultivo de valores éticos e pessoas dispostas a enfrentar lutas coletivas. Podemos afirmar que os trabalhos que hoje estão em curso fazem valer o investimento de recursos públicos que alimentam o Memorial da Classe Operária - UGT. Dessa forma, cumpre-se o papel da preservação patrimonial, sempre pautando o resgate e manutenção dos valores responsáveis pela sua criação e existência.

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