quarta-feira, 7 de novembro de 2012

As gerações e o ensino universitário


José Carlos A. Cintra

Em livro de minha autoria, Reinventando a Aula Expositiva, lançado recentemente, demonstro que a aula expositiva tradicional tornou-se obsoleta e apresento a proposição de uma nova aula expositiva, condizente com a atualidade. Antigamente, como a aula era conteudista, o professor quase que ignorava o aluno e os seus anseios. Hoje, é imprescindível ministrar uma aula atrativa, interessante para o aluno, o que leva à necessidade de entendermos quem é o nosso aluno universitário, o seu modo de vida e o seu modelo mental.

Atualmente, a grande maioria dos graduandos é da geração Y e, em breve, chegarão à universidade os integrantes da mais nova geração, a Z. Já os professores universitários são da X e até da BB. É o clássico conflito de gerações acarretando impactos importantes também no ensino.

A geração BB, a dos baby boomers, são os nascidos no período pós-Segunda Guerra Mundial, entre 1946 e 1964, sucedida pela X, a partir de 1965. Nas décadas de 80 e 90 nasceu a geração Y e, a partir de 2000, a Z. Essas divisões são arbitrárias e, por isso mesmo, não consensuais, mas a intenção é estabelecer fases que demarcam mudança no comportamento humano, em razão do contexto histórico em que os indivíduos nascem e se desenvolvem.  É o caso típico da geração Z, dos que já nasceram dispondo de internet e toda a tecnologia digital e, por razões óbvias, são considerados nativos digitais.

Ao analisar as características dessas quatro gerações, constatamos que tanto as diferenças entre a BB e a X, como as entre a Y e a Z, não tão são expressivas como a grande ruptura existente entre a X e a Y.  Por isso, vamos enfocar essas duas gerações, considerando principalmente o que pode interferir nas relações entre o professor X e o aluno Y.

O X é apegado à hierarquia, valoriza o poder, títulos e cargos, tem tendência ao autoritarismo e ao machismo, semblante mais sisudo, trabalha em equipe e é monotarefa (executa uma coisa de cada vez). Já o Y, de forma bem diversa, não dá importância à hierarquia, quer prazer em tudo que faz, é individualista e imediatista, tem um conceito bem mais sutil de privacidade, e é essencialmente multitarefa.

O professor precisa compreender essas diferenças para não cometer equívocos. Se, por exemplo, durante a aula, o aluno utiliza o notebook para outros fins, o professor julga haver desrespeito e, ainda, que o aluno não está prestando atenção à aula. Engano duplo: o aluno não tem a menor intenção de desrespeitar, pois não tem a hierarquia como um valor, e consegue manter a atenção à aula, por ser multitarefa. Logo, se o professor adotar a postura autoritária de mandar desligar o computador, jamais será compreendido pelos alunos.

Como o Y é individualista, nos trabalhos em grupo cada integrante faz sozinho um trabalho inteiro ou uma parte isolada de cada trabalho. É difícil reverter esse comportamento, por se tratar de característica de geração, não de costume. É como se fosse uma marca de nascença. De modo semelhante, o professor X traz as suas marcas dos anos 70 e, por isso, tem dificuldade em lidar com a falta de hierarquia e as demais características das novas gerações.

Por ser Y, o aluno dá preferência ao que é prazeroso e não atribui importância à hierarquia. Por isso, abandona a aula chata com naturalidade, ou nem mesmo comparece a essa aula. Daí a necessidade de a aula ser atrativa, para que o aluno queira estar presente. Também na profissão, o Y busca um trabalho que seja interessante, como mostra a revista Você S/A (Edição 168, Junho 2012), com a matéria de capa intitulada: Adeus, trabalho chato.

Temos que saber quem é o aluno de hoje, pois o propósito da aula é que ele goste e entenda. A aula não é para o professor, que já sabe a matéria, mas para o aluno. Antigamente não havia necessidade disso, de compreender o aluno para ter mais êxito no objetivo de despertar o seu interesse. Bastava despejar conteúdo. Eram tempos em que o conteudismo fazia sentido.

Os dias de hoje reivindicam do professor uma visão mais humanizada sobre os alunos, o que inclui um relacionamento igualitário com eles. Sem opressão, ameaças, e terrorismo, conhecidas marcas dos tempos antigos. Que o aluno não tenha medo do seu professor, e sim liberdade para com ele conversar, discutir, perguntar e aprender. Ficou para trás o professor sádico, que tinha prazer em “ferrar” nas provas e em sua correção, e até em reprovar em massa, para dar lugar ao professor que sente prazer em ensinar e em aprovar os alunos com aprendizado suficiente.

As gerações anteriores à Y têm a tendência à nostalgia e ao saudosismo (“no meu tempo que era bom”), além do conservadorismo, a dificuldade em lidar com as mudanças. Por isso, muitas vezes criticam as características do Y, com a intenção de “consertá-las” para transformar o Y em X. É o caso, por exemplo, de pretender que o Y tenha foco, trabalhe em grupo, tenha privacidade, não seja imediatista, etc.

No ambiente corporativo, as empresas há alguns anos estão tratando da adaptação à convivência com seus novos colaboradores da geração Y. Já há alguma literatura sobre essa problemática, até tese, defendida na Faculdade de Economia, Administração e Contabiliade (FEA) da USP (“O desafio de lidar com a ‘geração Y’”, Jornal da USP, Ano XXVII, nº 960, de 21 a 27 de maio de 2012). Contudo, a universidade, que recebeu o Y antes das empresas, ainda quase ignora as enormes diferenças entre as gerações de seus professores e alunos, e suas importantes implicações no ensino.

José Carlos A. Cintra é professor da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP.


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