Se você espera encontrar nesse artigo números e fatos sobre Belo Monte, sugiro que pare a leitura por aqui. O que este artigo pretende é fazer uma discussão que toma este tópico como um dos exemplos para apontar reflexões que transpassam a individualidade e os números de cada tema. Pretendo mostrar que o problema está muito antes de Belo Monte, ele está na forma como o Brasil se planeja e conduz suas decisões na área estratégica de meio ambiente.
Nos últimos meses, não foi preciso se esforçar muito para encontrar em diferentes meio de comunicação, diversos debates capitaneados pelo confronto entre meio ambiente e desenvolvimento. Entre os mais acirrados e importantes debates estão as mudanças climáticas global, o novo código florestal e a usina hidroelétrica de Belo Monte. Mesmo que tardiamente e com pessoas mal intencionadas, que optam por confundir ao invés de construir, eu entendo como positivo todo o debate sobre Belo Monte. Mas ainda é preciso amadurecer e entender que, guardada as proporções e independente da temática, no cerne todos eles são frutos de um mesmo processo e de uma mesma lógica retrógrada de desenvolvimento.
Acredito ser pertinente fazer uma distinção entre dois temas centrais para este discussão e que são comumente tratados como sinônimos: Crescimento e desenvolvimento. O crescimento está ligado a indicadores econômicos, como o aumento do PIB. Logo, só ocorre progresso quando o crescimento é positivo. Já para o desenvolvimento não necessariamente é preciso crescer para progredir. No caso de indicadores sociais como o IDH, um crescimento do PIB não necessariamente reflete na melhora da qualidade de vida das pessoas.
Dentro de uma visão carteziana, os debates em foco atualmente nascem de dois pontos erroneamente considerados antagônicos: o desenvolvimento e o meio ambiente. Erroneamente, porque em uma visão moderna de desenvolvimento esses dois tópicos caminham lado a lado e formam as bases do desenvolvimento sustentável. Planejadores e tomadores de decisão comprometidos com o futuro e o presente não poderiam deixar de considerar e dar a mesma importância para todas as esferas de planejamento: o econômico, o ambiental e o social.
Em processos sérios de planejamento ou licenciamento busca-se o maior equilíbrio possível entre as esferas citadas e os atores envolvidos, construído por meio de um debate onde um lado acaba cedendo em algum momento para ser satisfeito em outro. Mas na prática o que observamos é uma lógica conduzida de forma unilateral e protocolar onde quase sempre o lado econômico é privilegiado em detrimento dos aspectos ambientais e sociais. Neste caso predomina a lógica do crescimento econômico.
Esta é a grande frustração dos estudiosos de políticas ambientais e conservação. O Brasil como tomador de decisão ainda não despertou para a necessidade de considerar de forma séria a questão ambiental e social. Ele ainda não se decidiu sobre as necessidades futuras, sobre como crescer e preservar de forma harmoniosa. Caminhamos para sediar uma Rio+20 com que cara ? Falamos da floresta amazônica, mas não ouvimos o que tem a dizer os índios que moram lá a muito mais tempo que nós. Falamos de redução de desmatamento na Amazônia, mas aprovamos um novo código florestal flagradamente construído sem nenhuma base científica para beneficiar um setor específico da sociedade, o agronegócio. Tentamos intermediar acordos de mitigação e prevenção de mudanças climáticas e ao mesmo tempo fazemos do pré-sal a solução para o futuro do país.
Neste ponto o Brasil sofre de crise de identidade, é bipolar. Enquanto nosso país não resolver essa dualidade de desenvolvimento, todos os debates a cerca de temas importantes como o Código Florestal e a usina de Belo Monte serão conduzidos de maneira pouco democrática e quase sempre beneficiando uma minoria privilegiada da sociedade. A máxima se replica: privatiza-se o lucro e socializa-se os prejuízos. Em outras palavras, o lucro é concentrado na mão de uma minoria já abastadas, já os prejuízos ambientais são de todos. É contra essa forma de política que devemos lutar hoje.
Aproveito a onda de Belo Monte para sintetizar o que discutimos até aqui. Belo Monte é simplesmente simbólica nessa luta. Vamos supor que Belo Monte seja instalada, pois a demanda energética projetada e as necessidades de crescimento justificam sua construção, mesmo ante todos os impactos negativos decorrentes. Amanhã uma nova usina surgirá e a mesma justificativa será apresentada. Qual é o limite para essa replicação? Quando as alternativas técnicas e estratégicas serão discutidas ou apresentadas? Em que momento os impactos socais e ambientais serão considerados tão relevantes quanto o econômico?
Pela nossa análise técnica do Plano Decenal de Energia não será até 2020, pois mesmo que a proposição e avaliação de alternativas técnicas e estratégicas seja um dos principais objetivos das peças de planejamento, tais alternativas não foram sequer mencionadas no documento. E assim, até 2020, teremos de engolir mais 12 usinas na bacia amazônica. Doze vezes é um número suficiente para você? E depois dessas 12 vezes, quantas vezes restariam para atingirmos um ponto de colapso, ultrapassando a capacidade suporte do nosso planeta? Se você quer saber, nós já passamos essa linha a muito tempo. Os dados são alarmantes: perdemos anualmente cerca de 30000 espécies por ano, ou 3 espécies por hora, muitas delas nem chegamos a conhecer. Segundo o relatório Global Footprint Network, hoje, precisamos de uma terra e meia para satisfazermos nossas necessidades de consumo. Essa meia terra virá de onde?
É preciso ficar claro que a luta dos ditos ambientalista é uma luta pelo futuro, pela vida. Não somos contra o crescimento, muito pelo contrário, lutamos pela melhoria da qualidade de vida e pela redução de desigualdades sociais com o menor impacto ambiental possível. No entanto, não é mais possível ignorarmos a problemática ambiental, as mudanças urgem e são necessárias para ontem. O melhor exemplo mundial de como empurramos a questão com a barriga são as mudanças climáticas globais. Hoje nem o mais cético dos céticos do clima ainda defende que o planeta não está aquecendo por conta das emissões antrópicas de gases. E quando falamos de aquecimento, das necessidades de revermos nossos padrões de consumo, estamos falando de vidas, do futuro da humanidade no planeta terra. E assim é com todas as outras questões ligadas ao meio ambiente, cada uma com suas implicações e escalas, mas todas elas relacionadas com uma mesma problemática, a falta de visão e sensibilidade dos planejadores e tomadores de decisão com relação as necessidades futuras da humanidade e sua relação com o planeta.
Devemos sim nos preocupar com cada projeto fruto de um processo não democrático e unilateral ou com cada decisão que contrarie as recomendações da ciência, as necessidades e a vontade da maioria. Podemos evitar parte de todo esse problema simplesmente construindo um diálogo real entre os atores envolvidos e as esferas de planejamento, seguindo as recomendações e diretrizes da ciência e do planejamento ambiental de forma séria e comprometida com o futuro. Mas para isso o Brasil precisa escolher o que quer do futuro: se transformar em mais um EUA/China ou servir de exemplo como um país consciente e comprometido com seu povo e com a sua natureza.
Autor: Augusto Hashimoto de Mendonça
Engenheiro Ambiental
Doutorando em Ciências da Engenharia Ambiental
Centro de Recursos Hídricos e Ecologia Aplicada
Texto retirado do blog: http://minhasaia.blogspot.com/
Gostei!!!
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