quinta-feira, 30 de julho de 2015

Ciência e Tecnologia no Brasil

Quem é brasileiro e interessado/envolvido com ciência sabe que a relação da ciência com o país sempre foi turbulenta. Não cabe aqui entrar nos motivos pelos quais é tão difícil para o país entender a importância do investimento no setor (spoiler: políticos beócios), mas em geral podemos dizer que a estrada para o progresso científico por aqui é um retrato fiel de como estão nossas estradas de verdade (ou seja, esburacadas, com acidentes frequentes e uma porção de medidas paliativas que a médio e longo prazo só pioram a situação).

Agora, um estudo divulgado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) durante 67ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lança uma luz sobre qual a percepção do público em geral a respeito da ciência. Com sorte, estes resultados podem vir a ser um impulso positivo no investimento neste setor.

De acordo com a pesquisa, os brasileiros possuem elevado interesse em ciência e são bastante otimistas com relação ao tema, seus resultados e seus praticantes. Por exemplo, a ciência é vista pela maior parte das pessoas como um corpo de conhecimento que traz muito mais benefícios do que malefícios à humanidade. A imagem do cientista também é positiva: eles são vistos como pessoas inteligentes, agentes de transformação social que contribuem para o crescimento do país e o bem-estar da sociedade.

Uma das ressalvas em relação à atividade científica é quanto aos seus usos; a maior parte das pessoas expressa preocupação com os aspectos éticos e políticos relacionados à ciência. Mesmo assim, quase 80% apoia o maior investimento em Ciência e Tecnologia, uma diferença significativamente maior em relação aos EUA (que fica em torno de 40%). Também é possível verificar o aumento crescente do interesse pelas diversas ciências nos últimos 10 anos (seja em maior frequência de visitas a zoológicos e museus, ou feiras de ciência).
Quando o assunto se volta para questões com importante impacto tecnológico, também há um grande interesse: Há maior preocupação com pesticidas do que com transgênicos e grande preocupação com os efeitos das mudanças climáticas e o desmatamento da amazônia.


Apesar desses dados aparentemente positivos, há contrastes gritantes que demonstram algumas contradições (algo bastante comum entre os brasileiros em pesquisas). Por exemplo, Mais de 50% das pessoas não lê livros, não ouve programas de rádio, não lê jornais impressos, não lê revistas, nem lê na internet ou conversa com os amigos sobre o assunto. Normalmente, o meio de informação dos brasileiros quanto a informações científicas é a televisão (isso talvez explique a predileção a ideias pseudocientíficas como alienígenas do passado).

Para piorar, o nível de desinformação é grande, e um dos motivos mais apontados é a falta de acesso e de informação. Paralelamente, pelo menos metade considera que a TV e a internet noticiam de maneira satisfatória descobertas científicas e tecnológicas (para jornais impressos fica em torno de 40%). Isso pode explicar o compartilhamento indiscriminado de informações incorretas de algumas páginas de Facebook que se dizem “científicas”.

Mas não é tão surpreendente que as pessoas se contentem com as informações divulgadas na internet e na TV (boa parte das vezes de forma confusa, com informações escassas e sem nenhuma consultoria de um especialista). Na Reunião anual do SBPC também foi divulgado um estudo sobre o índice de letramento científico (ou alfabetização científica), que resume bem: os brasileiros gostam de ciência, mas não fazem ideia de como ela funciona.

A pesquisa classificou os resultados em quatro níveis: “não científico”, “rudimentar”, “básico” e “proficiente”. Destes, 48% possuem entendimento apenas rudimentar de ciência e apenas 5% apresentam um nível proficiente de conhecimento científico. O mais curioso, e que foi ressaltado na apresentação da pesquisa é que, mesmo com estes resultados negativos sobre proficiência em ciência, as pessoas não tiveram problemas em parar para responder o questionário, que tinha duração de cerca de 1 hora e meia (o que demonstra o interesse pelo assunto).

A maior conclusão que se pode tirar a respeito destes dados é que não precisamos engajar o público em relação a ciência; precisamos, sim, EDUCAR a população a respeito de como a ciência funciona. Muitos sites fazem um ótimo trabalho de divulgação científica (como o Universo Racionalista), mas é impossível que estes veículos, sozinhos, consigam reverter este quadro –  cabe a eles serem ferramentas auxiliares. É preciso investimento pesado em educação de base, de forma a criar jovens para a pesquisa científica, desde o início, não apenas quando eles chegam na faculdade.

Falta ao país entender que a prática científica necessita de uma rede de instituições que se alimentem entre si: Escolas, Universidades, Museus, Zoológicos, Institutos de Pesquisa, redes de mídias, empresas e família (falar sobre ciência em casa, desde que os filhos são pequenos, é parte fundamental disso). Não só para divulgar a ciência, mas principalmente para difundir a maneira como o conhecimento científico é produzido. Ou seja, o que falta para o país é uma “cultura” de conhecimento e produção científica, muito mais profunda e enraizada no dia a dia e nas decisões do cotidiano do que o que vemos hoje. Mas isso só será possível quando o governo começar a entender que ciência e tecnologia não leva ao desenvolvimento do país; elas SÃO o desenvolvimento de um país.

Fonte: Astropt.org e MCTI

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